O último 22 de agosto teve um significado especial na vida de mais de mil indígenas Guarani Kaiowá, da Terra Indígena Nhanderu Marangatu, localizada no município de Antônio João (MS). A data marcou a retomada de parte do território tradicional do povo. Dia de esperança, alegria. Mas a festa durou pouco. Uma semana depois, no sábado seguinte (29), Semião Vilhalva foi assassinado por fazendeiros que tentavam retomar o território. Leia também a nota da deputada Jandira Feghali sobre a violência sofrida pelos Guarani Kaiowá.

A violência marcou mais um capítulo da disputa fundiária no Mato Grosso do Sul e gerou protestos em Brasília.

“Lá [Mato Grosso do Sul] está o maior faroeste. O país perdeu sua soberania. Quem manda lá é pistoleiro e fazendeiro. O governo precisa tomar as rédeas. Um boi vale mais que uma criança. Eles nos matam como animais. Não têm piedade. Estamos aqui atrás de justiça”, afirma o indígena Anastácio Peralta.

Na tarde de terça-feira (1º), lideranças da Aty Guasu, principal organização política Guarani Kaiowá, protocolaram no Supremo Tribunal Federal (STF) uma petição solicitando o fim da suspensão dos efeitos do decreto de homologação da Terra Indígena Ñanderu Marangatu. A área aguarda o fim do julgamento da Corte há uma década.

Em junho de 2005, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou a demarcação dos 9,3 mil hectares do território guarani kaiowá. O ato, no entanto, foi anulado por meio de liminar pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, e seguido por uma ordem de despejo proveniente do Poder Judiciário, que destinou quase mil pessoas a uma vida à beira da estrada, aguardando uma definição do processo pelo STF.

“Queríamos que os governos da Europa, dos Estados Unidos, do Japão nos ouvissem e não comprassem mais um grão, um saco de açúcar, um pedaço de carne do Brasil. Quando esses produtos saem daqui, levam consigo um pedaço de corpo indígena”, desabafa Daniel Guarani Kaiowá.

Três dias após a morte de Semião, tropas do Exército foram enviadas para conter os conflitos fundiários entre indígenas e produtores rurais. A ação atende ao pedido do governador Reinaldo Azambuja à presidenta Dilma Rousseff e ocorre, inicialmente, em quatro cidades do estado: Antônio João, Aral Moreira, Bela Vista e Ponta Porã. De acordo com o Ministério da Justiça, o aparato militar poderá contar também, caso haja necessidade, com tropas da Marinha e da Aeronáutica.

O antropólogo Spensy Pimentel, professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, em Foz do Iguaçu, e especialista na questão Guarani Kaiowá, falou com o blog do Sakamoto sobre o caso e as razões da violência contra indígenas no estado. Ele afirma que enquanto não houver um engajamento real do governo federal e da Justiça, incluindo a desapropriação de imóveis rurais, não haverá paz na região.

“Os índios ocuparam as sedes das fazendas. Os fazendeiros se reuniram e foram lá resolver a situação. Isso é um claro sintoma de falta de mediação. De uma inação do governo, do judiciário. Há uma série de episódios violentos nas últimas décadas por conta do território. O clima de tensão é cada vez maior. A solução definitiva passa pela discussão de indenização. Há uma necessidade de se discutir esse tema, pois existe uma falta do Estado. Essas eram terras onde se sabia que havia indígenas e que foram tituladas em nome de colonos brancos. Então, essas pessoas merecem alguma satisfação do governo também”, explica.

“Nós somos filhos da terra, porque nós pertencemos a esta terra. Terra pra nós não é negócio. Terra é mãe. Terra é vida”, conclui Anastácio Peralta.